sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Paradoxos

Estas coisas de escrevermos, desabafanfo o que nos vai na alma, tem o que se lhe diga. Depois de já ter escrito (e re-escrito) alguns posts, tenho dificuldade em publicá-los. Começo a olhar para eles, perguntando-me na óptica de quem os vai ler (se bem que não são assim tantas as pessoas), se serão agressivos, incompreensíveis ou capazes de ferir susceptibilidades.

Porque, um facto é que isto serve para alimentar um mal da nossa sociedade. Ou pelo menos da sociedade Portuguesa. Parece que vivemos num mesmismo, num saudosismo incurável. Lamentamos e recordamos o velho tempo, aqueles que passaram... Esses é que eram sempre bons! Relembramos, constantemente, para nos afirmarmos, como fomos grandes na época quinhentista! O que conquistámos, por onde passámos! O Mundo foi partido em dois... e uma metade era nossa...

Pois bem... Fomos, éramos, era, já foi... Porque é que continuamos presos às memórias...Será a nossa capacidade mnésica é assim tão fabulosa que não nos permita esquecer os feitos de outros tempos! Tempos que tão pouco nos trazem vantagens nos dias que correm... Mas esquecemos os fracassos habilmente, ignorando as lições que temos que reter com os mesmos.

Para além deste pequeno fenómeno mnésico, temos ainda a capacidade de nos lamentarmos de tudo o que nos acontece... E sinceramente, isso é algo que vai do particular para o geral... E com grande pena minha, começa em mim! Hoje dei por mim a reflectir que levo a vida a queixar-me das minhas dores, das minhas preocupações, do trabalho... E não só sou eu! Eu, todos à minha volta, a comunicação social, o comércio, a indústria. Não se passa um dia em que uma queixa não seja formulada, em que nos demos por satisfeitos com as condições em que vivemos!

Relacionando as duas questões, elas estão intimamente ligadas, e retroalimentam-se. Sentimos a falta de uma situação de destaque, anterior... Como tal queixamo-nos da situação em que nos encontramos, deste socialismo exarcebado, destas questões apartidárias... E então, lá vem a saudade outra vez...

Não obstante ser uma emoção exclusiva do povo de Língua Portuguesa (vejam a beleza e subtileza da coisa), e por isso, talvez, permaneçamos tão agarrados à perspectiva de que tempos já passados, voltem (ai aquela bela "ária" - ao tempo... volta p'a trás"), mas parece que é desculpa para tudo hoje em dia. Talvez por isso não consigamos andar para a frente.

Não é à toa que os chineses deitam fora o que é velho na passagem de ano. Para eles é simbólico: estão a abrir espaço para que novas coisas entrem, e ocupem o lugar vazio, deixado pelas antigas. Se não nos libertarmos do passado, não podemos viver o futuro. E se não nos libertarmos do medo de perdermos os pontos de referência, nunca mais vamos abandonar este poleiro de outros tempos... Somos incríveis. Sentimos a saudades dos tempos em que éramos aventureiros destemidos, tempo em que procurávamos o amanhã... Mas não sentimos saudade nem nos lamentamos por termos perdidos as qualidades que nos distinguiam de outros povos, e que foram responsáveis pela notoriedade que alcançámos.

Faz-nos falta o esforço individual, como o colectivo, de procurarmos superar estas saudades... Não são erradas! Mas são limitativas... Faz-nos falta acreditar que outros dias virão! Que há um futuro para ser vivido, sem medos e sem fronteiras! Porque o mundo está cheio de oportunidades. Deixamo-nos prender por dificuldades antecipadas, e pelas saudades destes tempos, que se instalam, assim que mudarmos...

Resistência à mudança. Este é o verdadeiro significado de saudade. Se a "saudade" dos tempos aventureiros descrevia o sentimento de ligação às pessoas deixadas para trás, do facto da sua presença na nossa vida depender da nossa capacidade de a evocarmos, hoje em dia a saudade apenas representa o medo da mudança, de agarrarmos os desafios com um pouco de fé ou de vontade de vencer.

Falo por mim novamente... Porque levamos a vida a queixarmo-nos das situações em que vivemos, mas não fazemos absolutamente nada para as mudar?!? Será que isso, então, nos dá o direito de nos lamentarmos do que temos!? Quem cala consente minha gente! E nós temos andado muito tempo calados.

Ai Camões, se ele visse o povo de hoje em dia... Que paradoxo! - diria.

3 comentários:

Su disse...

Gaija,depois de ler este texto fabuloso,só me consigo lembrar de uma coisa...A psicóloga que há em ti anda a manifestar-se!Muito bem!
Beijoca

Xandinha disse...

Achas mesmo!?! A psicóloga que há em mim! Acho que isso dava um bom tema para um post, não achas?!

Su disse...

Fico à espera desse post...O meu blog anda um bocado parado,mas volto em breve!
Bjitu